Montserrat, a ilha encantada de George Martin


Montserrat, nome dado por Cristóvão Colombo em 1493, em tributo ao Mosteiro de Santa Maria de Montserrat, em Barcelona (Espanha), é uma minúscula e longínqua ilhota, situada na confluência do Oceano Atlântico e do Mar das Caraíbas, ao leste das Antilhas (West Indies). A terra firme mais próxima é a Venezuela. Com apenas 102 Km2 e uns 11 mil habitantes, a ilha de Montserrat era tida como a "esmeralda das Caraíbas", destino turístico de abastados. Águas cristalinas, o verde como tapete da terra, vegetação luxuriante, língua inglesa (a ilha ainda é um  território dependente britânico), a maior concentração mundial de campos de golfe por metro quadrado, cascatas deslumbrantes, praias de areia fina e branca e águas tépidas faziam a delícia dos visitantes, ideal para cidadãos britânicos bem posicionados na vida.

 George Martin apaixonou-se pela ilha em 1977. Além da beleza, encontrou nela a paz de espírito suficiente para a criatividade da música. Escassos dois anos depois concluiu, num local idílico, os AIR Studios, os mais modernos e sofisticados de então. Pelos estúdios passaram dos maiores "monstros sagrados" da história do rock, como Paul McCartney, Rolling Stones, Eric Clapton, Dire Straits, Elton John, Stevie Wonder, Police, Ultravox, Lou Reed e tantos outros, que usufruíram das excelentes condições técnicas e ambientais para a produção de canções que ainda hoje perduram na memória. Os estúdios viraram uma atração turística e o maior produto de exportação da ilha, suplantando o algodão do tipo Sea Island. O povo não esqueceu e tratava-o, como ainda o trata hoje, por Saint George.

Mas o sonho coletivo de George Martin, dos músicos e do povo de Montserrat só durou 10 anos. Em 1989, o furacão Hugo destruiu parcialmente a ilha e com ela os estudios modelares, obrigando a sua deslocalização para Londres, onde permanece. Não foi esse o único desastre da ilha. Tivesse George Martin ficado e provavelmente não teria escapado às múltiplas erupções do vulcão Soufriére, o maior do mundo em atividade, que se iniciaram em 1995 e duram até hoje. A última grande ocorrência registrou-se em 12 de julho de 2006. Vistos do observatório vulcânico, os estúdios de George Martin são um soco no estômago. Situados na base to vulcão, não muito longe do que foi um espetacular campo de golfe e uma praia de areia branca, o complexo é um fantasma indesejado do passado.

"Ainda na semana passada, tudo isto era verde", dizia-me um guia, apontando para o manto cinzento que cobre os estúdios, do vulcão ao mar. "Tudo é muito triste". E não é para menos. A atividade do vulcão diminuiu para menos da metade a população da ilha, obrigada a fugir, destruiu a capital, Plymouth, e seu aeroporto, fechou ao mundo dois terços do seu território. Os estúdios de George Martin situam-se na zona interditada aos olhares. Só de longe se pode enxergar. A ilha tornou-se verde e cinzenta, coberta pelas cinzas das erupções, e os habitantes e turistas são obrigados a usar máscaras. Mas o povo de Montserrat não desiste de lutar pela chegada de novos Georges Martins. Ostenta orgulhosamente tshirts com os dizeres "I'm Proud Montserraneant", mas até o novo campo de futebol, ainda por concluir, a mais recente "jóia da coroa" da ilha, foi parcialmente destruído em junho.

Um dos que não desiste é George Martin. Empenha o seu nome e reputação na organização de eventos que possam devolver o sorriso aos rostos dos orgulhosos habitantes da ilha. Logo em 1989, imediatamente a seguir ao furacão, George Martin pôs de pé um álbum de solidariedade, After The Hurricane - Songs From Montserrat, com nomes e canções gravadas na ilha, das quais destaco "Fancy Man Blues" (Rolling Stones), Ebony and Evory (Paul McCartney e Stevie Wonder), "Why Worry" (Dire Straits), "Invisible Sun" (Police), "I Guess That's Why They Call It The Blues" (Elton John) e "New Moon On Monday" (Duran Duran). Em 1997, depois das erupções, reuniu no Royal Albert Hall, de Londres, um super-concerto com Paul McCartney, Mark Knopfler, Elton John, Sting e Eric Clapton, ex-clientes de Montserrat.

Todos os proveitos foram para a ilha. Mais recentemente, o antigo produtor dos Beatles leiloou, com a ajuda de Paul McCartney, 500 litografias de "Yesterday", angariando fundos para a construção de um Centro Cultural em Montserrat. A ilha de Montserrat está moribunda, mas ainda não está morta. Enquanto houver Georges Martins, o povo de Montserrat pode olhar para o futuro com algum otimismo. Mas não é tarefa fácil. Quase nada está de pé. Ainda hoje, mês e meio depois da minha primeira visita à ilha, ao consultar as minhas notas, os dedos das mãos ficaram cobertos por um pó finíssimo. É triste.

Por Luís Pinheiro de Almeida