Tio Will, a ovelha negra da família McCartney

Um dos grandes lançamentos recentes na Beatlemania mundial é o livro FAB – A Intimidade de Paul McCartney, do talentoso Howard Sounes – que, entre outros, também biografou Bob Dylan. Em suas pesadas 700 páginas, o livro apresenta histórias deliciosas da vida do ex-beatle, citando curiosidades tão exclusivas e raras que não caberiam em uma biografia oficial (como é o caso dos livros Many Years From Now e The Beatles Anthology. A vida de “Macca” e seus parentes foi pesquisadas num nível tal, que histórias inéditas ganharam vida pela primeira vez. Como é o caso do tio Will, a “ovelha negra da família McCartney”. Saiba mais sobre esse singular personagem nesse pequeno trecho retirado do FAB – A Intimidade de Paul McCartney.

uncle-willConsiderando há quanto tempo Paul McCartney é famoso, e quão profundamente sua vida já foi estudada, é surpreendente que a escandalosa história da ovelha negra da família McCartney tenha permanecido inédita até agora. Pois aqui está: em 1924, a tia de Paul por parte de pai, Edie, casou-se com um comissário de navio chamado Alexander William Stapleton, conhecido por todos como Will. Após a morte de Florence McCartney, Edie e Will ficaram com sua casa na Scargreen Avenue, e Paul via o tio Will reguluarmente nas reuniões de família. Todo mundo sabia que Wil era um “tremendo sacana”, nas palavras de um parente. Will era conhecido por afanar garrafas nas festas de família e por cometer roubos maiores.

Tinha o hábito de roubar dos navios em que trabalhava. Em uma ocasião memorável, Will mandou um recado para que Edie e Ginny os encontrassem nas docas de Liverpool quando seu navio chegasse. Gin se perguntou por que o cunhado exigia sua presença, bem como a da esposa. Ela descobriu quando Will a cumprimentou por cima da cerca. Segundo Ginny, Will a beijou inesperadamente, passando-lhe um anel de diamante com a língua. E isso não foi tudo. Ao passar pela alfândega, Will deu à esposa um saco de lavanderia com lingerie de seda e presenteou Ginny com uma meia contendo – assim diz a história – um papagaio anestesiado com clorofórmio.

Will se gabava dizendo que um dia daria um golpe que o deixaria com a vida feita. Isso virou piada na família McCartney. Jack McCartney estava habituado a parar a “parentada” na cidade e cochichar: “Vejo que Will Stapleton voltou de viagem”. “É mesmo?”, o parente perguntava, inclinando-se para a frente para ouvir a voz rouca de Jack. “Sim, acabei de ver o Mauretania no meio da Dale Street”. Piadas à parte, Will conseguiu cometer um crime e tanto, sensacional o bastante para chegar à primeira página do Liverpool Evening News e até do The Times de Londres, para embaraço permanente da família.

Will era o responsável pelas bagagens no SS Apapa, fazendo uma rota regular entre Liverpool e a África Ocidental. Em setembro de 1949, o cargueiro itinerante transportava setenta caixas de notas recém-impressas, destinadas ao British Bank of West Africa. As caixas de dinheiro, equivalente a milhões hoje, estavam lacradas e trancadas na sala-forte do navio. Will e dois tripulantes, o responsável pela dispensa, Thomas Davenport, e o padeiro do navio, Joseph Edwards, armaram um plano para roubar um pouco daquele dinheiro. Aparentemente tudo foi idéia de Davenport, que recrutou Stapleton para abrir as dobradiças da sala-forte, tirar os pregos e abrir a porta. Assim, eles roubaram o conteúdo de uma caixa com 10 mil notas bancárias da África Ocidental, valendo exatamente 10 mil libras esterlinas em 1949, aproximadamente 250 mil libras em valores de hoje. Os ladrões substituíram o dinheiro roubado por guardanapos de papel fornecidos por Edwards, fecharam a caixa novamente e colocaram a porta no lugar. Quando a mercadoria foi descarregada em Takoradi, na Costa do Ouro, nada parecia estar faltando, e o Apapa seguiu seu caminho. Foi apenas quando as caixas foram pesadas no banco, que uma delas foi considerada leve e o alarme foi dado.

O Apapa havia chegado a Lagos, onde os ladrões gastaram parte do dinheiro roubado antes de voltar ao navio, que seguiu para a Inglaterra. A polícia britânica embarcou no Apapa quando este voltou a Liverpool, e logo prendeu Davenport e Edwards, que confessaram, implicando Stapleton.

“Vocês parecem saber de tudo. Não adianta mais negar”, teria dito o tio Will aos detetives quando foi preso. A história apareceu na primeira página do Evening Express de Liverpool, ou seja, toda a família podia avaliar a desgraça que Will lhes trouxera. “Meu Deus, é aquele maldito golpe que ele sempre disse que ia tentar!”, exclamou a tia Ginny.

Stapleton e seus colegas se declararam culpados em juízo por roubo em alto-mar. Eçe disse que sua parte foi de apenas quinhentas libras, e alegou ter ficado nervoso quando viu o capitão do navio inspecionando a sala-forte na viagem de volta. “Por isso me livrei imediatamente do que havia sobrado das minhas quinhentas libras, jogando tudo no mar através da vigia. Contei isso a Davenport, que me chamou de tolo e disse que se arriscaria a guardar o resto”. O juiz sentenciou o tio Will a três anos de prisão, e o mesmo para Davenport. Edwards pegou 18 meses.

A polícia recuperou apenas uma pequena quantia do dinheiro roubado. Talvez Davenport e Stapleton tenham mesmo jogado o resto no Atlântico, como disseram, mas na família McCartney especulava-se que Will teria guardado um pouco do dinheiro que não foi encontrado. Dizia-se que a polícia o havia observado cuidadosamente após sua saída da cadeia e, quando os detetives finalmente desistiram da vigilância, Will entrou em uma farra de compras, adquirindo, entre outros luxos, a primeira televisão da Scrargreen Avenue.