George Harrison Discografia: The Concert For Bangladesh (1971)


O primeiro concerto beneficente do Rock foi realizado no dia 01 de agosto de 1971 em Nova Iorque, em duas sessões: uma pela tarde e outra pela noite. George Harrison teria bastante trabalho - além de algumas decepções - ao tentar convencer os astros de Rock com os quais mantinha boas relações de amizade a participarem do evento; como não poderia deixar de ser, ele começaria pelos ex-beatles. O guitarrista parecia suficientemente tomado por uma imensa compaixão pelas vítimas de Bangla Desh a ponto de esquecer as diferenças entre eles, e ao que tudo indicava, esperava  juntar os Beatles em algum momento do espetáculo para atrair o público, mesmo que fosse para uma única canção.

Era certo, também, que George não queria ser o astro principal do show, preferindo atuar mais nos bastidores, o que justifica sua ansiedade em reagrupar sua antiga banda e buscar apoio de outras grandes estrelas pop. Ringo Starr, sendo sempre prestativo e generoso com os amigos, foi o primeiro da lista a dizer um ‘sim’, como era de se esperar, mas as esperanças ganharam corpo quando Harrison pediu para que Paul  participasse do evento, já que ele havia se sensibilizado com as notícias vindas do Paquistão; mas Paul alegou que “não fazia sentido juntar os Beatles só para dar publicidade para Allen Klein, e ainda depois de todas as recentes decisões tomadas para concretizar a separação do grupo”. Portanto, a resposta foi: não.

George, John e Yoko
Infelizmente, com Lennon a situação seria ainda mais delicada e provocaria um resultado desastroso na relação de amizade entre George e ele. John havia topado, mas quando deu a entender que Yoko participaria do show ao seu lado, ouviu de Harrison que seria preferível que ela não o fizesse, por razões óbvias; Lennon, possivelmente, ficara numa situação delicada, chegando a considerar a possibilidade de se apresentar sem ela, mas o fato é que Yoko aborreceu-se demais e o casal teve uma briga séria, fazendo com que Lennon viajasse para as Ilhas Virgens sozinho, para esfriar a cabeça. Ono, mais uma vez, impusera a sua vontade e convenceu John a não participar. Esse incidente causou uma profunda mágoa entre os dois ex-beatles, pois Harrison sentiu-se traído. Afinal, quando John quis o apoio dele para ficar com Klein, George topou: “estou nessa, John”.  Ei, George, e o Paul? você me apoia contra ele? “Pode deixar, fico ao seu lado, John”. George, toque guitarra no meu novo disco, cara. “Vamos lá, John!”. Só havia uma coisinha que ainda não descia redondinho pela garganta de Harrison: Yoko Ono Lennon. John, claro, chateou-se mais uma vez ao ver sua mulher sendo excluída pelo amigo. Deixa estar.

Harrison prosseguiu na série de telefonemas que realizava incessantemente até as vésperas do show, contatando os Stones - que por problemas de agenda não puderam participar - e outros que pelo mesmo motivo não se comprometeram, mas Bob Dylan, como não podia deixar de ser, deixou a resposta ‘soprando no vento’ até o dia do show, quando apareceu para ensaiar com George; Eric Clapton, afogado nas drogas, relutou bastante em aceitar, mas foi para Nova York e se enfiou num hotel, pedindo a Ringo que providenciasse heroína para ele durante o dia todo, enquanto Harrison o mantinha acordado com vários telefonemas. No fim, Clapton apareceu, mesmo em frangalhos e exibindo uma visível precariedade física. Outros que acabaram por aparecer foram Leon Russell, Billy Preston, o guitarrista Jesse Ed Davis, Klaus Voormann, alguns membros dos Dominos e o Badfinger.

A expectativa de que um time interestelar de astros pop fosse aparecer no palco do Madison Square Garden não chegou a se realizar, mas com metade dos Beatles em cena, além de Ravi Shankar, Clapton e Dylan, o Concerto para Bangla Desh brilhou musicalmente diante de 40 mil espectadores, com todos os participantes demonstrando  uma competência técnica admirável, pois os ensaios foram extremamente rápidos e improvisados.

Ravi Shankar iniciou o evento anunciado por um tímido Harrison, fazendo um breve comunicado a propósito do objetivo do show e a seguir executando duas peças longas de seu repertório, George abriu a segunda parte dos shows, alternando  seu repertório com Dylan, Ringo e Leon Russell.  George  tocou as faixas "Wah-Wah", "My Sweet Lord", "Awaiting On You All", "Beware Of Darkness", "While My Guitar Gently Weeps", "Here Comes The Sun", "Something", "Hear Me Lord' (esta  apenas no primeiro show) e, claro,  "Bangla Desh".

Tomando-se por base o aspecto  improvisado das performances, o resultado foi bastante satisfatório, com arranjos que buscaram reproduzir os originais na medida do possível, sem grandes mudanças. O destaque maior foi a versão tocada a dois violões por George e Pete Ham (do Badfinger) para "Here Comes The Sun", que apesar da aceleração do andamento, tem lá o seu charme. "While My Guitar Gently Weeps"  ganhou um duelo inédito das guitarras de George e Eric Clapton, proporcionando outro grande momento no espetáculo.  Ringo tocou sua "It Don’t Come Easy" esquecendo-se da letra em alguns trechos, enquanto Dylan reviveu seis clássicos de sua primeira fase acompanhado por sua harmônica e por George na guitarra, Leon Russell no contrabaixo e o mesmo Ringo no tamborim. Foi o responsável pela parte mais monótona das apresentações. Quem causou maior surpresa ao público foi Billy Preston, com uma versão arrasadora de "That’s The Way God Planned It", sem dúvida o ponto mais alto e vibrante do espetáculo.

George, Dylan e Leon Russel
Enfim, o Concerto para Bangla Desh, tornou-se um grande feito na história da musica popular. Pela primeira vez na história do gênero, o Rock deixava de ser um simples  fonte de entretenimento, e de forma pioneira,   passava a atuar como fonte de recursos para uma causa social num processo direto e pontual. No dia seguinte, bastante feliz, George acabou compondo uma nova canção, inspirado pelo acontecimento: "The Day The World Gets Round", uma faixa que seria lançada um ano e meio depois no álbum Living In The Material World. Justamente por seu caráter inédito, a organização e distribuição dos recursos de arrecadação do álbum e do filme do concerto iriam encontrar dificuldades burocráticas quase que intransponíveis até chegar à UNICEF. A primeira dificuldade foi conseguir conciliar  os interesses das gravadoras envolvidas, já que Dylan pertencia à Columbia, que esperava royalties generosos e exclusividade no lançamento do álbum; a Capitol rejeitou a idéia e exigia que o disco levasse o nome de “George Harrison & Friends” como sendo o nome oficial do autor do projeto, além de pleitear a distribuição do álbum em todo o mundo.

Todas as discussões posteriores acerca destes problemas fizeram com o que o lançamento fosse adiado  seguidas vezes, provocando o lançamento clandestino das gravações do concerto, sem falar no cheque de um milhão de libras em impostos que Harrison teve que passar adiante. Ele ficaria extremamente desapontado com tudo isso e entraria em confronto direto com Bhaskar Menon, presidente da Capitol, numa pendenga que duraria meses, até o disco ser lançado em dezembro de 1971 nos Estados Unidos e Canadá pela Capitol, enquanto que no Reino Unido e restante do mundo (inclusive no Brasil)  a distribuição ficaria a cargo da Columbia, com lançamento  realizado em janeiro de 1972.

Hugh Downs (Unicef) e George Harrison em 1972
O álbum faria um enorme sucesso, tendo sido considerado como um álbum de carreira de Harrison, com acompanhamento dos ‘amigos’, e chegando aos primeiros lugares entre os discos mais vendidos nos charts americanos e europeus. O filme foi lançado em março de 1972 na Inglaterra e em julho nos EUA,  com o mesmo resultado positivo em termos de público, mas antes de concretizada, sua montagem também sofreu com diversos problemas técnicos decorrentes de um trabalho confuso realizado pelos câmeras. George ficou fulo de raiva ao assistir os tapes e juntamente com Dylan, penou para organizar o material. Ele temia um fracasso e um prejuízo notáveis, mas no final a montagem ficou satisfatória e agradou a todos. Se prestarmos atenção, veremos que George realizou vários overdubs posteriores, como os vocais em "Wah-Wah", "While My Guitar" e "Something", o que aconteceu também nas gravações lançadas no álbum.

A mixagem levou três meses para ser aprimorada e Phil Spector co-produziu com George todo o material final. Com tudo isso, afinal, o projeto fora vitorioso em todos os sentidos, e a arrecadação das bilheterias do concerto no dia de sua realização rendeu mais ou menos 100 mil libras (ou 260 mil dólares), embora alguns boatos tenham alardeado o fato de ter havido possível desvio do dinheiro, com suposto envolvimento de Allen Klein. O próprio Lennon, em 1980, declarou para a Rolling Stone que o concerto fora um ‘fiasco’, mas John continuava visivelmente magoado com Harrison e por outros motivos, o que nos faz relevar um pouco declarações rancorosas como esta.

Até 1985 o concerto arrecadou para a UNICEF cerca de 12 milhões de dólares com o álbum e o filme, e uma parte da soma teve problemas para a liberação em função de impostos cobrados pelo governo americano. Em 2001, pouco antes de falecer, George remasterizou o álbum e lançou o filme em DVD pela Apple/EMI. É um clássico absoluto, um dos melhores discos ao vivo de rock da história.
Marcelo Sanches
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